sexta-feira, 4 de abril de 2008

FELISMINA – A ULTIMA LAMPREIA DO RIO NABÃO

Morreu na semana passada a ultima das lampreias do nosso Rio Nabão.
Felismina, nome dado pela sua mãe que depois de duras canseiras, mas com a intuição de séculos próprios da sua espécie, veio deposita-la em ovo num pequeno buraco, em zona pedregosa do rio que percorre no nosso Concelho.
Ali se transformou em larva e depois de inúmeras canseiras em jovem fêmea.
Conhecia bem o seu rio e conseguiu sobreviver a toda a praga de infortúnios. Conhecia bem quando se avizinhava mais uma descarga poluente, quando a água começa a tornar-se mais turva, fruto da incúria e maldade dos homens. Mas foi sobrevivendo.
No seu intimo já lhe começava a despertar a vontade da espécie do regresso ao mar, onde a sua progenitora tinha vindo.
As suas irmãs foram morrendo e arrastadas tantas vezes pelas correntes sujas e lamacentas, mas e Felismina conseguiu sobreviver.
Contava os dias em que podia voltar ao mar e regressar novamente para depositar os seus ovos, mantendo assim o ciclo já interminável de gerações de lampreias que tomaram como sua casa o Rio Nabão.
Mas tal não aconteceu.
E ao raiar de um dia que se avizinhava radioso e resplandecente, quando o amigo Sol já começava a espreitar por detrás do grande edifício que é a Matrena, Felismina não aguentou novo atentado ao seu habitat natural e quando o rio transportou o veneno mortal, já era tarde. Felismina agitou-se tentou afastar-se daquele veneno escuro, mortal, ainda com as suas ultimas forças tentou debater-se e procurar uma pequena veia ou regato de água mais clara, mas em vão.
As forças foram abandonando-o e acabou.
Morreu ali a ultima lampreia do Nabão. A Felismina.

Os seus últimos pensamentos ainda foram para as suas irmãs, que em anos anteriores tinham contribuído para dar nome ao Rio, ao Concelho que escolheram para viver e desovar.
Ainda se lembrou de tantas e tantas irmãs que acabavam por ser pescadas e servidas nos pratos em Tomar.
Ainda se lembrou de outras que partindo mais cedo, se fizeram ao caminho e conseguiram chegar ao mar, para eventualmente depois regressar, mas ela não.

A sua sorte estava ditada e em plena agonia acabou com um último pensamento o mais triste e irónico que a sua espécie poderia ter. As suas irmãs que partiram nunca mais voltariam ao rio que as viu nascer e onde eram tão apreciadas, porque o veneno que corria no seu Rio Nabão o tinha contaminado por completo e talvez nunca mais ali houvesse vida, nem lampreias.

Morreu assim a ultima lampreia do Rio Nabão. A Felismina.
No entanto ficou-lhe o consolo que ainda se podia apreciar a sua espécie, pois sabia que a alguns homens não lhes interessava donde vinham as suas irmãs, fosse de França em cativeiro, ou de outro rio mais bem cuidado que o seu sempre e querido Rio Nabão.

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