Vestida de negro e com as rugas de tantos anos de trabalho e canseiras, aproximou-se do balcão da Farmácia onde costuma ir todos os meses. Já não sabe quanto dinheiro ali deixou para os seus medicamentos e do homem que a espera lá em casa, inválido depois de o coração o ter atraiçoado e ter um enfarte.
A pensão que recebe mal dá para comer, mas antes estão os medicamentos absolutamente necessários para tratar os seus males dos ossos e para tornar mais fáceis as dores do seu homem.
Esperou ansiosa que fosse atendida remexendo de tempos em tempos na sua pataqueira. Esperemos que o dinheiro chegue para a receita, pensava nervosa. Aqui na Farmácia já devo tanto, não posso pedir que me fiem mais. Fazia contas de cabeça, pois ultimamente por mais que esticasse o dinheiro, este não chegava para a água, a luz e os poucos alimentos que comprava na mercearia da vizinha.
Finalmente chegou a sua vez e a Dr.ª Edite, simpática como sempre lá lhe foi aviando a receita. Não percebia grande coisa dos cêntimos, dos euros, mas sabia que a reforma que ganhava andava pelos 50 contos de antigamente. A ansiedade crescia no seu peito magro e descaído de tantas dores incontidas, a cada parcela que a Farmacêutica lhe ia debitando na máquina das contas. São 92 euros, a receita Dª Lurdes, repetiu de traz do balcão a Dr.ª. Não queria acreditar, como poderia lá ser. No mês passado tinha pago 78 Euros, perto de 16 contos. A conta está bem Dr.ª, articulou com a voz quase sumida e com uma interrogação posta no olhar.
Está certa, sim senhora, sabe alguns medicamentos são mais caros e outros não são comparticipados, retorquiu em tom calmo a farmacêutica. Isto está cada vez pior para todos, desculpou-se, reparando na aflição incontida da velhota.
Enquanto isso contava e voltava a contar o dinheiro que tinha consigo. Não chegava. E sem querer com uma revolta surda contra a mafalda da vida, questionava-se porquê? Porque estes aumentos em tudo, quanto a sua vida e do seu homem tinham sido sempre feitos de tanto trabalho, suor e sofrimento. Se devia alguma coisa, era na farmácia e na mercearia. Não devia mais nada a ninguém pois sempre tinha levado uma vida limpa e honrada.
Porque tinha ela e o seu homem de sofrer assim.
Por ultimo e com as lágrimas silenciosas a correrem pela sua face tisnada pelo sol e pelos martírios da sua vida, desabafou. Se pago os 92 euros, o que vou comer eu e o meu homem durante o resto do mês?
Saiu da farmácia tendo como companhia um choro cada vez mais profundo que arrancava do seu ser, laivos de revolta e dor inconsolável.
Nota: Esta pequena história é verídica, assisti-a eu num destes dias. As lágrimas e a revolta daquela velha senhora, comunguei-as em espírito. Porque fazem sofrer assim os nossos idosos? É para isto que trabalhamos e pagamos os nossos impostos? Onde andará esse espírito social que tanto me orgulhava no meu Portugal. Que merecem os governantes que não sabem governar e não conhecem o seu povo anónimo?
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